segunda-feira, 3 de maio de 2010

Concepções sobre a morte e a Ética Médica


A revista Veja, edição 2162 de 28 de abril de 2010, retomou um assunto polêmico através dos anos: O desejo de morrer. Apesar de polêmico, atualmente em nossa sociedade ocidental, o tema é pouco discutido, principalmente entre as camadas mais populares (ditas, “não-intelectuais”). Por outro lado, tem despertado interesse de áreas do conhecimento como a tanatologia, a medicina e a psicologia. O que se observa, entretanto, é que tal interesse não tem minimizado ou reduzido, efetivamente, os efeitos que as idéias construídas em torno da morte têm causado no homem.

A morte é um tema tão antigo quanto o próprio homem.

Desta vez, o enquadramento dado pela revista foi sobre os limites médicos em “ajudar o paciente a morrer”. O homem busca se iludir, negando a morte na sociedade atual. Os adultos preferem aproveitar a vida; a tecnologia prolongou a longevidade, mas até quando se deve prolongar a vida de uma pessoa que sofre e deseja morrer? Muitas vezes, a morte passa a ser vista como um fato exclusivamente biológico, distanciando-se do seu aspecto profundamente humano. Nesse sentido o homem tem procurado insistentemente mecanismos que garantam afastar a morte de seu cotidiano (cuidados preventivos com a saúde, não exposição a situações que podem oferecer riscos ou ainda brincadeiras e piadas acerca do tema).

O fazer médico segue a obstinação pela manutenção à vida. O médico trabalha em última instancia se não para a prevenção ou tratamento de doenças, para superar a morte. Seguindo esta concepção, o desejo de morrer de uma pessoa estabelece uma “contravenção à ordem médica”. Sem dúvida, os avanços da medicina aceleraram muitos processos de cura e até mesmo propiciou a extinção de algumas doenças, contudo o modelo médico atual (biomédico) produziu uma medicina pragmática com ênfase excessiva, se não exclusiva, na “dimensão biológica” dos sujeitos. É negligenciado, portanto, os aspectos psicológicos e sociais que também os constituem. A doença, que pode levar à morte, é entendida em termos de desajustes orgânicos, avaliados e classificados empiricamente, desprezando-se com isso outros fatores de influência e retirando a autonomia dos sujeitos em relação a seu estado.

O “respeito à autonomia e desejo do paciente” é olhar preconizado pela psicologia em respeito ao tema. Pacientes portadores de doenças incuráveis ou em estágios terminais, comumente identificam a inevitabilidade e/ou aproximação de sua morte e quando o sofrimento é insuportável e o desejo de morrer se instala: eis um ponto a ser considerado. O objetivo da psicologia, longe das representações e concepções assistencialistas ou paternalistas compartilhadas culturalmente, é antes, trabalhar em função do direito e exercício da autonomia das pessoas e redução de seus sofrimentos.

O abreviamento da vida do paciente, realizado pelo médico é considerado falta ética e crime previsto na constituição, circunscrito como homicídio, na medida em que o profissional agi (ainda que por compaixão) sem a autorização do próprio paciente. Já na ortotanásia (não explicitado no código de ética médica), existe um pacto compartilhado entre médico e paciente, onde exposta todas as possibilidades e limites do tratamento médico, por opção do paciente, procedimentos invasivos não são realizados para o prolongamento da vida. “O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana serve para dar total segurança ao médico que suspende tratamentos que não mais garantem a dignidade de seu paciente”.

A proposta do novo Código de Ética Médica, apresentado e já em vigor desde abril é preservar e garantir a autonomia dos pacientes frente ao seu estado de saúde, cabendo a ele, inclusive, decidir sobre o curso de seu tratamento. Cabe ao médico, por sua vez, administrar suas práticas de modo que não fira os princípios fundamentais da medicina e o da própria dignidade humana.

Ademais, é necessário compreender que diferente do que ocorria nos séculos anteriores, onde a morte estava presente na sociedade e os cuidados e o luto eram vivenciados por todos, no decorrer do séc. XX até os dias de hoje o que ocorre é um desejo que a morte passe despercebida, modificando o mínimo possível o cotidiano das pessoas. As próprias famílias se distanciam de seus enfermos deixando tudo a cargo de profissionais. A morte passou a ser vista como algo distante e o hospital de hoje é um retrato da tentativa de se esconder a doença e a morte: é uma morte conveniente esta que ocorre no hospital.

Nenhum comentário:

Postar um comentário