terça-feira, 18 de maio de 2010

Educação x Violência: Punição aos pais punidores.


Caros leitores, depois de quase duas semanas sem publicações (por motivos acadêmicos), o assunto desta semana é seguramente muito polêmico porque expõe sobre uma prática corriqueira dentro do universo familiar, e porque não, educativo de maior parte das culturas ao redor do mundo: são as "palmadas" [educativas?]. Está sob avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (e se aprovado, rumo ao Senado), o Projeto de Lei Nº 2564 /2003, proposto pela Deputada Maria do Rosário (PT), que pretende acrescentar ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a proibição de qualquer tipo de punição física cometida pelos pais contra seus filhos.


O projeto de lei, que será uma emenda ao ECA está, retroativamente, respaldado no próprio Estatuto que defende as crianças e adolescentes, na "Nova" Constituição Brasileira de 1988 (e naturalmente, na Declaração Mundial dos Diretos Humanos), tendo assim, grande chance de ser aprovado e regulamentado. Alguns de seus muitos pontos de justificativa, o PL aponta que é dever do Estado proteger crianças e adolescentes de qualquer tipo de violência; o acordo internacional da Convenção sobre os Direitos da Criança desde 1990 recomenda que os países-membros das Nações Unidas protejam os menores de qualquer tipo de agressão e que para educar são dispensáveis punições físicas, o diálogo é suficiente. Referencia também que 14 países aboliram a punição física de crianças em suas constituições (Suécia, Áustria, Dinamarca, Noruega, Letônia, Alemanha, Israel, Chipre, Islândia, Itália, Canadá, Reino Unido, México e Nova Zelândia) e que, se aprovado cabe aos órgãos legisladores, fiscalizadores e de apoio do Estado, realizar campanha de conscientização do público em relação ao "problema das palmadas".

Mas "o problema" é: o projeto; que é de fato uma bela iniciativa de proteção à criança e adolescente e ao combate da violência já naquelas instituições socializadoras básicas, como a família e a escola; concorre com uma série de problemas na esfera prática. Um dos principais é "Como fiscalizar os descumprimentos da lei?", "Quais os critérios que decidirá que punição será imputada aos pais?", "Como o Estado e a Justiça lidará com essa nova carga (que será seguramente extensa) de processos?", "Como os serviços psicológicos, psiquiátricos, de assistência social, etc., conseguirá dar conta desta demanda anteriormente inexistente?", são algumas das muitas repercussões prática que dificultaram a inserção da lei.


São muitos os ramos e campos de atuação da psicologia que irão compreender o fenômeno das "palmadas" de maneiras diversas. A psicologia social certamente voltaria seu olhar para o contexto onde essa violência ocorre e analisaria a gama outra de fatores que "justificariam" a agressão (como a ligação da frustração, da violência e do poder). A psicologia jurídica centraria nos dispostos que colocaria os sujeitos (agressores e agredidos) como pertencentes de individualidade, subjetividade, histórias e vivências particulares, defendendo a impossibilidade de qualquer tipo de "punição" ocorrer sem que haja a consideração dos fatores únicos pelos quais a infração ocorreu. Até mesmo a psiquiatria poderia analisar os indícios latentes ou não, de possíveis transtornos e patologias psiquiátricas que explicariam as agressões. A psicanálise poderia investigar as causas inconscientes que levaram os sujeitos agressores à passagem ao ato ou analisar a "posição" do agredido em relação à agressão sofrida. Enquanto a psicologia experimental analisaria as contingências referentes à agressão e as conseqüências da mesma nos diferentes indivíduos.

Acredito que o diálogo ainda é uma boa solução para parte significativa dos problemas cotidianos. Mas este tipo de arranjo para solução de problemas é eficaz na medida em que seu uso é freqüente e conseqüentemente os efeitos positivos já são esperados. Quero dizer com isso que com esta lei, dificilmente, pais que educam seus filhos com base nas palmadas conseguiram os efeitos esperados da obediência passando a usar o diálogo. Não quero dizer, por outro lado, que a mudança das palmadas para o diálogo seja ineficaz! Mas é antes, um recondicionamento de respostas e conseqüências que já se estabeleceram há algum tempo e necessitam com urgência serem modificadas: aí está o problema. As palmadas, enquanto punições geram comportamento de fuga e esquiva por parte dos agredidos, o que inibe a interação em novos momentos, porque um de seus efeitos é a generalização da punição a outros contextos.

Existem muitas formas de educar e é importante que sejam evitadas as punições positivas (como as palmadas). É possível educar crianças e adolescentes reforçando-as, quando pertinente, pelas coisas corretas que fazem, ou mesmo suspendendo temporariamente, bens ou atividades que gostam como forma de puni-las (negativamente), mas sem gerar as conseqüências danosas da agressão. Fundamental é estabelecer uma boa comunicação em todas as formas de educação apresentadas a criança ou ao adolescente, visto que é necessário que tenham conhecimento do que é, para seus pais, correto ou não.

A lei "anti-palmadas" pode gerar um problema de ordem social, considerando-se que, "segundo grande parte dos estudiosos neste campo", o comportamento de bater em suas crianças está mais concentrado nas camadas sociais mais baixas, onde o pouco conhecimento dificulta o diálogo. A meu ver, este certamente não é um tipo de análise correta e encobre, na verdade, a tonalidade do preconceito (que é muito próximo daquele "preconceito lingüístico" exposto por Bagno) que permeia a maior parte das investidas no social. Caracterizaremos mais uma vez a "pobreza" como fonte de todos os males da nossa sociedade? A resposta pode ser dada talvez de outra maneira. A televisão brasileira nestas últimas semanas escandalizou a história da procuradora Vera Lúcia Gomes, acusada de torturar (psicológica e fisicamente) uma criança de 2 anos de idade, que pretendia adotar. Ela: procuradora, representante da lei, diplomada, abastarda, agrediu violentamente uma criança de apenas 2 anos. De posse disto, é correto marginalizar ou estigmatizar em determinado grupo, coisas que pertencem a uma cultura geral, violenta? É com essa pergunta que respondo ao questionamento anterior e os deixo pensar a respeito.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Rumo ao Hexa: da consagração ao sofrimento. Vagas abertas!

Há algumas semanas temos observado a ênfase crescente da mídia em relação à Copa do Mundo de Futebol, faltando pouco menos de 1 mês para se iniciar. O assunto tem se reverberado principalmente nesta última semana em virtude da divulgação, nesta terça 10/05, da lista de convocados para a Seleção que representará o Brasil no mundial, na África. Como conhecido e representado ao redor do mundo, o Brasil tem o que se considera “o melhor futebol do mundo”. Somos referência no esporte (que surgiu originalmente na Inglaterra), nosso vasto plantel de “craques” é invejado, logo, “produzimos” e “exportamos” jogadores para todos os continentes a preços extraordinários! Baseado nesse contexto seria fácil cogitar ao Brasil, à conquista do mundial pela 6ª vez... Mas em que medida apenas habilidade e alta performance pode garantir sucesso no esporte?

Muitos entusiastas do esporte declaram sua paixão inesgotável pelo futebol - e consideremos aí uma boa parcela da população brasileira. O sucesso do Brasil no futebol é, para considerável número, motivo de muito orgulho. O “espírito” que envolve os torcedores, esporádico ou não, em todas as regiões do Brasil, sinaliza não apenas o patriotismo, mas também a suspensão temporária das diferenças econômicas, de raça, de credo, de cultura, entre outras, que separam os mais de 183 milhões de brasileiros. É possível imaginar a partir deste ponto, a pressão que sofrem os atletas que têm sob seus ombros as expectativas e aspirações destes milhões de torcedores.

Mas nem sempre foi assim... O esporte da Antiguidade, que tinha como objetivo a superação e aprimoramento físico e moral de atletas individuais, transmutou-se para a superação de “adversários” e a perseguição implacável ao primeiro lugar. As novas tecnologias e o advento da mídia acirram ainda mais o ideal competitivo do esporte na atualidade e auxiliaram a perpetuar as ideologias e modelos de vitória e perfeição para o meio social. Naturalmente, competir implicar no ganhar e perder, mas para atletas e outro envolvidos com o esporte tais resultados podem ser experienciados de maneiras distônicas e extremadas: da consagração ao sofrimento.

A derrota instala um ponto importante de reflexão porque é vivida com bastante sofrimento pelos atletas, principalmente porque sofrem pela pressão não só do ambiente competitivo, mas principalmente pelas pressões oriundas da sociedade. E este sofrimento não é nada menos do que um sofrer psicológico. O universo esportivo exige hoje alto desempenho dos atletas, não estranha, por exemplo, expressões como “esporte de alto desempenho” ou “atletas de ponta”. Neste sentido, é sempre priorizado o desenvolvimento de habilidades e do físico, e deixa-se de lado o aspecto psicológico que envolve toda e qualquer prática de esporte. Em verdade e de maneira geral, só se atenta para as questões de cunho psicológico quando atletas de alto desempenho e condições físicas não rendem nas competições; os psicólogos são, portanto, chamados em caráter especial e de urgência.

Pouco se conhece sobre a participação de psicólogos no esporte e ainda menor é o número de pessoas que conhecem sobre sua atuação e importância. Atletas e comissões e sociedade possuem representações distorcidas destes profissionais e da psicologia ("psicólogo só serve pra cuidar de pessoas com problemas" ou “atletas já nascem com o ‘dom’ de fazer aquilo que fazem e ninguém pode interferir nisto”), de modo que não entendem como podem contribuir, senão em caráter de urgência, a fim de alterar o estado emocional e psicológico dos atletas. Como citado anteriormente, a busca da melhor desempenho e o medo de perder o “poder” por parte de gestores dos mais diversos esportes, inibe o investimento de equipes esportivas no equilíbrio psíquico de seus atletas.

O trabalho do Psicólogo, por outro lado está voltado para intervenções preventivas, podendo atuar na clínica, na pesquisa ou educação na promoção do treinamento de habilidades psicológicas, bem como, no auxílio ao desenvolvimento global do sujeito. Dessa forma pode atuar junto a atletas e paratletas, também com atletas de categorias de base, comissão técnicas ou até mesmo familiares. O Psicólogo pode (e deve) ser mais um integrante da equipe técnica, com importância tal qual a do Preparador Físico, Médico, Nutricionista ou Técnico.

“É estranho que esta participação seja tão desconsiderada no Brasil, uma vez que, os resultados obtidos nos últimos anos, em competições das mais gerais como olimpíadas e campeonatos mundiais vêm caindo drasticamente, não acompanhando o crescimento e aprimoramento de tantos outros países, que “por coincidência” possuem psicólogos em suas delegações. É obvio e até imaturo pensar que estes resultados negativos se dêem, unicamente, em face da ausência de um psicólogo nas equipes. Porém é extremamente plausível pensar que muitos dos resultados positivos em decisões, seja pelo título, pelo terceiro lugar no pódio, ou por uma pontuação qualquer, que poderia ser alcançado, são facilmente escapes pelo despreparo psicológico dos atletas nos momentos que antecedem e que se apresentam na decisão.”

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Concepções sobre a morte e a Ética Médica


A revista Veja, edição 2162 de 28 de abril de 2010, retomou um assunto polêmico através dos anos: O desejo de morrer. Apesar de polêmico, atualmente em nossa sociedade ocidental, o tema é pouco discutido, principalmente entre as camadas mais populares (ditas, “não-intelectuais”). Por outro lado, tem despertado interesse de áreas do conhecimento como a tanatologia, a medicina e a psicologia. O que se observa, entretanto, é que tal interesse não tem minimizado ou reduzido, efetivamente, os efeitos que as idéias construídas em torno da morte têm causado no homem.

A morte é um tema tão antigo quanto o próprio homem.

Desta vez, o enquadramento dado pela revista foi sobre os limites médicos em “ajudar o paciente a morrer”. O homem busca se iludir, negando a morte na sociedade atual. Os adultos preferem aproveitar a vida; a tecnologia prolongou a longevidade, mas até quando se deve prolongar a vida de uma pessoa que sofre e deseja morrer? Muitas vezes, a morte passa a ser vista como um fato exclusivamente biológico, distanciando-se do seu aspecto profundamente humano. Nesse sentido o homem tem procurado insistentemente mecanismos que garantam afastar a morte de seu cotidiano (cuidados preventivos com a saúde, não exposição a situações que podem oferecer riscos ou ainda brincadeiras e piadas acerca do tema).

O fazer médico segue a obstinação pela manutenção à vida. O médico trabalha em última instancia se não para a prevenção ou tratamento de doenças, para superar a morte. Seguindo esta concepção, o desejo de morrer de uma pessoa estabelece uma “contravenção à ordem médica”. Sem dúvida, os avanços da medicina aceleraram muitos processos de cura e até mesmo propiciou a extinção de algumas doenças, contudo o modelo médico atual (biomédico) produziu uma medicina pragmática com ênfase excessiva, se não exclusiva, na “dimensão biológica” dos sujeitos. É negligenciado, portanto, os aspectos psicológicos e sociais que também os constituem. A doença, que pode levar à morte, é entendida em termos de desajustes orgânicos, avaliados e classificados empiricamente, desprezando-se com isso outros fatores de influência e retirando a autonomia dos sujeitos em relação a seu estado.

O “respeito à autonomia e desejo do paciente” é olhar preconizado pela psicologia em respeito ao tema. Pacientes portadores de doenças incuráveis ou em estágios terminais, comumente identificam a inevitabilidade e/ou aproximação de sua morte e quando o sofrimento é insuportável e o desejo de morrer se instala: eis um ponto a ser considerado. O objetivo da psicologia, longe das representações e concepções assistencialistas ou paternalistas compartilhadas culturalmente, é antes, trabalhar em função do direito e exercício da autonomia das pessoas e redução de seus sofrimentos.

O abreviamento da vida do paciente, realizado pelo médico é considerado falta ética e crime previsto na constituição, circunscrito como homicídio, na medida em que o profissional agi (ainda que por compaixão) sem a autorização do próprio paciente. Já na ortotanásia (não explicitado no código de ética médica), existe um pacto compartilhado entre médico e paciente, onde exposta todas as possibilidades e limites do tratamento médico, por opção do paciente, procedimentos invasivos não são realizados para o prolongamento da vida. “O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana serve para dar total segurança ao médico que suspende tratamentos que não mais garantem a dignidade de seu paciente”.

A proposta do novo Código de Ética Médica, apresentado e já em vigor desde abril é preservar e garantir a autonomia dos pacientes frente ao seu estado de saúde, cabendo a ele, inclusive, decidir sobre o curso de seu tratamento. Cabe ao médico, por sua vez, administrar suas práticas de modo que não fira os princípios fundamentais da medicina e o da própria dignidade humana.

Ademais, é necessário compreender que diferente do que ocorria nos séculos anteriores, onde a morte estava presente na sociedade e os cuidados e o luto eram vivenciados por todos, no decorrer do séc. XX até os dias de hoje o que ocorre é um desejo que a morte passe despercebida, modificando o mínimo possível o cotidiano das pessoas. As próprias famílias se distanciam de seus enfermos deixando tudo a cargo de profissionais. A morte passou a ser vista como algo distante e o hospital de hoje é um retrato da tentativa de se esconder a doença e a morte: é uma morte conveniente esta que ocorre no hospital.